domingo, 13 de novembro de 2011

Desaprendizagem: um exercício


Depois de certa idade
O aprendizado da vida
Consiste em desaprender

É importante desaprender o amor
Desidealizá-lo
Até se tornar uma tarde de domingo
Apenas

Importante desaprender a pressa:
A vida tem seu ritmo
E ele é lento
Rápidos são os versos doentes
E as meretrizes. 

Desaprender os livros lidos
Os personagens
E seus autores
Que, apesar de respeitáveis,
Sentiam-se ínfimos
Em certas auroras
Como nós…

Desaprender certos enfeites
Que mais pesam do que ajudam
Exemplo: linguajar afetado
Supervalorização do eu
E da coleção de latas de cerveja

É importante ressaltar
Que a artificialidade do sorriso
É muito desimportante
Bom é não treinar o sorriso
Deixar que ele floresça
Livremente
Igual às macegas

É fundamental desaprender
Certas lutas e alguns desassossegos:
Nem a revolução nem a tecnologia
Vão inventar a máquina de felicidades

Não dá pra lutar contra o dinheiro
Mas é preciso ganhar o suficiente
Para não precisar pensar nele

Inevitável desaprender o que os pais nos ensinaram
E, em troca, ensinar-lhes
Tudo que desaprendemos
Até que se sintam
Menos graves
E mais vulneráveis
Ao entardecer

Faz-se necessário
Saber
Que um copo d’água
Tem mais utilidade que um computador

E que num computador
No entanto
É possível
Escrever poemas
E outras coisas sem valor mercadológico

É forçoso desaprender os caminhos
E perder-se um pouco
Vezenquando
Corre-se o risco de encontrar uma moeda
Um arco-íris neste caminho diverso

(No desaprendizado descobrimos que as coisas
Colhidas em laborioso estudo
Ou a esmo
Só serão importantes
Quando vivenciadas, de fato
O lugar mais comum é obscuro
Sem a experiência
Como dizer da maçã
Sem prová-la?)

Chega um tempo em que os verdadeiros sábios
Que podem nos ensinar qualquer coisa útil
São as crianças

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Menino da Cidade

Sempre fui menino da cidade
por isso aprendi a só olhar para dentro de mim
e o meu dentro era cheio de flores de plástico
blecautes pátio de cimento
solidão em vasilhame enferrujado

Fui amadurecendo obliquamente
como um abacaxi verde
Num prato refratário

Depois descobri os livros
mas era o meu dentro
que eu encontrava
em Raskolnikov
Caulfield
Werther
Fausto

Hoje
no meio do caminho
já consigo ver pela frincha da noite
algo além de mim

Não o miraculoso Aleph
mas por entre os grãos d'água
um caracol dançando na chuva.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Poema de Finados


Sombra passageira -
Seremos
Mais do que isso?

Breve cansaço
Que dura o instante
De lamentar
E gozar um pouco

Amanhã seremos
Somente fotos no álbum de família
E nossos rostos ficarão
Cada vez mais estranhos e distantes
Na imagem que restou

E depois de amanhã
Seremos lembrados
Em nosso natalício
Com certo mal estar
Para quem ficou

E, finalmente, seremos vento apenas
A cada dois de novembro

Mas chegará o dia que nem memória
Nem pó restará
Nem mesmo tempo
Pois não haverá quem conte o tempo

Então por quê?
Por que tanto medo
De dizer e fazer?

Tudo é tão simples
Tão certo
A vida, a morte
De que vale sofrer?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Poema para 28 de Outubro


O cartão amarelo-sujo
Diz que ingressou
No serviço público
Há 30 anos

Hoje a ficha funcional
De José reaparece
Para a última anotação

O ponto final
Da sua trajetória
Discreta
Curvada
Na secretária perto da janela

No cartão roído por traças
Defecado pelas baratas
Está a história de José
Sem grandes incidentes
Ou conquistas

Além da ficha-funcional
Pouca coisa se sabe:
Não teve filhos
Era taciturno
E lamentava
Raras palavras
Para dentro de si

E que lustrava
O olhar com aguardente
- Profilaxia
Pra sua alma diáfana

Nunca o viram sorrir
Talvez não tivesse dentes
Ou era mesmo infeliz

Fora isto,
Sua vida resumida
Na ficha funcional
E mais um pouco de seus dias
Disperso nos papeis
Que passaram por sua mesa
E ganharam a caligrafia trêmula
De sua assinatura

Finalmente
O cartão amarelo-sujo
Do funcionário público
Volta
Definitivamente para o arquivo
Ao convívio com os ratos
Não menos anônimos
Que José.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Manhã


os galos podem insistir
tentando idealizar a manhã
perder suas forças
engendrando
em uníssono
seu grito

o cantar dos galos
alheio a velocidade da vida
desconhece
os prazeres do vinho da lira
e do amor

o cantar rouco dos galos
é apenas o limiar
que prenuncia
a luz

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

BR-392

Singrando
Veloz
Voraz
O pélago de asfalto

Quebrando o vento
Vou correr
Mais e mais
Voar
Pela 392


Rodovia
Vasta em perigo
Mas sigo
Célere
Louco

Rompendo artérias
A milésimos
Da clara luz
Entorpecente

O ar é um zumbido
Um gemido
No limiar
Da sanidade


Ah
Teus braços
            Multiplicados

Desejo

Volição de me acabar
No teu corpo
Agora

Ah
Sou jovem
            Novamente

Um vulto de chama

                        Desarvorado
Ardendo
Apolo em sua carruagem de fogo

A 392
Entre nós dois

Mas não é tão grande
A distância
Para quem corre sem medo
Da autodestruição

Grande é o rio
Onde se afoga
O coração...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Depois


Dois gomos
Vertendo
Aos dedos lassos
A vida

Via por onde
Freme
A essência
De tudo

Um pomo
Onde a morte
Emudece

Despertar do cais
De barcos
E velas acariciadas
Pelo vento

Balouçar
Aflito
Do Abajur

Rente a lua
Cobre seu pejo
De simbólico
Satélite

Interstício
Senda
De sangue
E vinho

Palavras loucas
Escritas na pele
Com unhas

E dentes
Saliva quente

Intumescido
O fulgor desvela
Recantos
De baunilha
&
Especiarias
Da Índia

Resinas
No dorso da grama
No Absorto
Instante
De gozo

O cheiro da relva
Molhada
No regaço
Da hora

Dois gomos
Por onde se fez
Aos olhos baços
A luz

Loucos
De alma lavada
Depois
Arquitetando
O Amor

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Helena


Se de Tróia
Foi ela, com beleza e rebeldia,
Causa máxima da destruição;
Tu, pelo contrário:
Num simples sorriso
No solfejar impreciso
Da inocência
Constróis, pouco a pouco,
O mundo de teu pai.
Pequenino anjo
És mais do que um mito
És real
Criança linda
Helena
Minha filha.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Vênus e o Pirulito


Dezessete anos e chupava um pirulito
Esfera vermelha com haste plástica
Colorida e aromatizada artificialmente

De vez em quando tirava da boca e lambia
e fazia com que a gulosice transitasse
Adoravelmente entre as bochechas

Talvez a lubricidade dos meus olhos...
Mas não era a forma tradicional
De chupar um pirulito
Havia qualquer gesto obsceno

Ela esperava o ônibus
Sorvendo o morango artificial
E me olhava.
Volta e meia
Sorria para mim...

E eu pensando
Que há coisas mais divertidas
Que o carrinho de mão vermelho...

E ela me olhava
Se divertia
Com o tio de 32
Que a admirava
Em silêncio.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Imprecação

Há mais pessoas sozinhas
Do que se pode imaginar.
Há um exército disperso,
Perdido
Em diversos apartamentos
Úmidos, caiados
Como pobres sepulcros.

Cada um canta sua dor
E sente a vergonha íntima de cantá-la
Pois a solitude
Àqueles que vivem em comunhão com o mundo
É apenas fragilidade
De gente parva,
Anacrônica.

Todos, nos seus respectivos
Quartos de frente para o infinito,
Todos, de alguma forma
Mesmo os ateus,
Pedem a Deus
Para serem amados.

Mas a sensação de que nenhum coração
Bate por eles
Pesa como o pêndulo do tempo
A cada segundo
Dizendo que estão
Cada vez mais velhos
E sozinhos.

Há mais pessoas sozinhas
Do que se pode imaginar.
E a dor destes solitários é grande
Como as noites de insônia
E desalento.

A dor é imensa
Como o cansaço
À hora da alvorada
Depois de tanta noite
Em vigília com seus pensamentos
Ouvindo tão somente
Os próprios lamentos.

Por isso eu rogo a deus:
Dai um amor verdadeiro a essa gente
Não deixeis que se percam
Em tortuosa mágoa, em calado pranto
Fazei com que encontrem a felicidade
A alma que lhes completará
E há de libertá-los
Das noites sem fim
e sem carinho.

Oh Deus!
Vós que destes
A eloquência ao bandoleiro
Coragem ao usurpador
Malícia ao dissoluto
Tende piedade
Dessas gente humilde
Desintegrada.

Há mais pessoas sozinhas
Do que se pode imaginar.
Deus, dai um amor verdadeiro
Para mim também.

domingo, 14 de agosto de 2011

Spleen no século XXI


We are the hollow men
We are the stuffed men

T S ELIOT


De repente ficamos ocos
Os livros lidos não pesam
Nem fazem volume
O que ingerimos
Não faz diferença
Estamos ocos

Qualquer vento nos leva
Estamos mortos
Mas vivos o suficiente
Para ligar a TV
E mergulhar os pés
Numa bacia de água quente

Na verdade precisamos
De um pouco de álcool
Para encher no nosso estômago
E depois
Regurgitar o vazio
Do ser
Oco

Steve Jobs
Pratica handjob
Enquanto
Preenchemos as lacunas
Da vida
Com seus produtos

Na verdade
Homens ocos
Do século XXI
Precisam de tecnologia

Hoje corremos atrás de dinheiro
Para sermos donos da nossa angústia
Sermos Up to date &
Mumificados

Assim como
Ofertavam aos índios
Espelhos
Como última tecnologia
Da Europa

Ofertam-nos
A preço de escravidão
Os I pod  not  net
Books
Touch screen
Fuckin’ screen

Olhamos maravilhados
Como os primeiros índios
Olhavam para os espelhos
Vendo suas próprias caras
Na lâmina tecnológica

Compramos
Sim
Compramos tudo
Por que não?
Temos cartão
O milagre da economia
Apple em 20 vezes

Só não conseguimos comprar
O passado
Conjugar o amor
E o coito
Somos órfãos
De algo que nos contemple
De verdade
Uma verdade espiritual
Que nos dê a chance de nascer

Estamos tão ocos
Com aparência de espantalhos
Mas usamos algumas fragrâncias
E colocamos panos caros
Por cima das feridas
Por cima dos braços
De palha
Do tórax
Oco

E A cabeça
Aos poucos se esvai
Consumida pelo vento.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Um não-poema

Este é apenas um não-poema, uma não-arte. Não há motivos para ficarem estomagados comigo. Preocupei-me, sobretudo, com o conteúdo político-social. Minto: não houve nenhuma preocupação. As páginas de um blog são mais vagabundas que as páginas de um jornal. Talvez mais. Perecíveis. Voláteis. Não espero qualquer glória, igual a tanto poeta verde, virgem. Digo isto pois muita gente ainda espera que eu siga aquelas sacadas “geniais” dos concretistas, a poesia como uma malandragem verbal, jogo divertido/arguto de palavras (pa/lavras /na lavra inglória/ a esmo/ mês/ mo). Aqui não tem nada de divertido. Eu não sou um cara divertido. Tenho um mau humor filho-da-puta. Querem uma real: Concretismo foi um lance experimental que aconteceu há mais de 50 anos. Como muita vanguarda: já era! O melhor Concretista? Gullar e seu livro A Luta Corporal. No mais, o concretismo foi uma extensão das prerrogativas estabelecidas por Pound e seu Imagismo, poesia Ideogrâmica... Mas quem foi Ezra Pound? Um provinciano despeitado que resolveu ingerir tudo que é tipo de cultura, para depois regurgitar por cima da gente humilde da sua cidadezinha de nascença. Não sei se é possível considerar isso como poética...Não nego as virtuosidades dos irmãos Campos. Excelentes tradutores. Bons prosadores e enroladores também. Mas este semi-poema não precisava gerar tanta reflexão! Um dia ainda escrevo sobre o que realmente penso sobre poesia. Um dia escrevo a grande poesia, o grande poema.
***********

Dostoiévski tem que terminar o último romance
Precisa saldar dívidas
Mas ficou vidrado no Facebook
Postando fotos
E palrando
Sobre
Vasily Trediakovsky
E há
Ah, umas russas boazudas ...

Willian Shakespeare
Está tentando concluir Hamlet
No entanto há sempre alguém
que o chama no MSN
(e ele fica constrangido de cortar a conversa
- mas também,
uns gatinhos!)

Leon Tolstoi
Ainda não começou Guerra e Paz
Viciado em putaria
(Descobriu o Redtube, Porntube, fucktube, kissmyasstube)
Diz que um dia termina
(Tá pensando em diminuir o número de páginas)

Homero
Depois de escrever seu poema Ilíada
Que foi laureado como um grande épico
Tinha como plano continuar coa Odisseia
Porém ultimamente
Só quer “tuitar”
Uns lances interessantes
Sobre a Grécia Antiga
Não sobra tempo pra aventura do Ulisses

Por falar em Ulisses
James Joyce
Joga todos dias
Um RPG on line
Cagando pra literatura
Diz que vai parar
No Retrato do Artista quando Jovem.

E o leitor, como fica?
Que leitor?
O leitor tá ocupado, escrevendo
“Vc q tc?”

sábado, 23 de julho de 2011

Poema para um dia nublado

Filhos de pais medrosos
Que, num sexo furtivo
Vestido de pudor,
Nos trouxeram a este mundo
Insano
Cheio de paranoia.

E aos poucos
Foram jogando todo medo
Por cima de nós
Até sentirmos
que somos
Anjos sem asas
Vultos
Sem forma.

E a hora não tardou:
Temos que enfrentar
A vida
Lutar
Pelo pão seco
E o amor escasso

Há templos de cimento e ferro
Imagens
Versículos
Mas deus é mudo
Um placebo
Pintado com barbas brancas.

Sim, estamos sozinhos
Os pais estão velhos
E ainda possuem
Faces medrosas
Não conseguem dizer nada
A não ser:
Cuidado
A vida é perigosa!

Para eles ainda somos
crianças desamparadas
No fim ainda somos
crianças
Mas
Carregando a mesma cara
As mesmas mágoas
e medos
Dos nossos progenitores

Estamos apavorados
Tão medrosos
Já usamos bebida
Drogas
Nada adiantou
Já tentamos o Budismo
Prozac
Enriquecemos a industria farmacêutica

Estamos apavorados
Tão medrosos
que o vale da morte
parece a única saída.
O único lugar
Seguro.

domingo, 17 de julho de 2011

Máquina de Escrever

Fui ter meu primeiro computador em 2007. Eu já usava PCs em Lan house, no laboratório de informática da universidade, no trabalho. Mas o fato de eu ter recebido, à guisa de presente, um computador de 166 MHz, me impulsionou a pôr no lixo minha velha máquina de escrever. Ela já estava ociosa  há algum tempo, e ocupando um baita espaço na casa exígua. Era uma Olivetti enorme. Pesava uns 50 quilos. Cor creme? Cor de burro quando foge? Plástico envelhecido não dá para identificar com precisão a cor.
Lembro que foi maravilhoso eu ter um computador só para mim. Para o que eu precisava, ele se saía bem: edição de textos. Nunca mais necessitei da máquina de escrever. Fiquei com o 166 até 2009.
Ontem aconteceu um fato lamentável que me fez lembrar da boa e velha Olivetti: o monitor do Mr. Magoo foi pro saco. Mr. Magoo é o Pc que disponho atualmente. Um bólido de 900 MHz de processador/ 256 de memória. Causa Mortis do Monitor: umidade intensa dos últimos dias atacou sua saúde frágil. Mas não descarto a possibilidade de algum dos gatos ter mijado nele. Enfim, me vi mais uma vez desamparado pela tecnologia.
Porra, o que vou fazer?
Meu irmão tem um Personal Computer, penúltima geração no quarto. Mas eu não posso simplesmente tirar o guri do seu próprio computador. “Sai que eu preciso escrever”. A era das “ignoranças” entre irmãos já passou. Então me restou escrever à moda antiga, usando papel e caneta. Como a caneta já está se tornando um objeto obsoleto, não encontrei nenhuma em casa. Só um toco de lápis 2B. Foi com lápis que escrevi um poema que estava me brotando no cérebro, sobre uma garota chupando um pirulito de morango no ponto de ônibus. Com ele estou escrevendo essas linhas rústicas. Ah, eu pensei, que se dane! Se cortarem a luz eu escrevo alumiado com um pedaço de vela. Se não tiver mais lápis, escrevo com um pedaço de carvão. Se faltar folhas ou cadernos, escrevo no papel de pão (o papel de pão está voltando, assim como os discos de vinil) ou em papel higiênico. Nada pode parar o ofício da escrita! Por mais que a vida insista em fornicar o orifício do [pretenso]escritor.
Foi devido ao episódio do falecimento do Monitor, que lembrei da minha máquina de escrever. Até 2005, acreditem, eu a usava com certa frequência. Mas lembro do auge, que foi lá por 2000, 2001: eu batendo nas teclas, energicamente, aquela percussão agradável aos ouvidos. Chegava alguém em casa e perguntava sobre o insólito barulho. Minha mãe, talvez orgulhosa, dizia: “o guri tá escrevendo um livro, quer ser escritor”. Na verdade eu labutava nos meus poemas. Nada de muito aproveitável. Mas importante para mim. Aquela rotina de datilografar na máquina aliviava minhas frustrações, de certa forma. Já que minha juventude não tinha muito brilho, eu estava tentando dar um destino mais “nobre” para o percurso da minha existência. Escrever.
Infelizmente, a maioria dos escritos foi pro lixo; alguns que se salvaram, estão perdidos por aí, nos meus livretos feitos em xerox, que eram vendidos a preço de custo. Na época eu me via como um grande poeta. Eram emoções baratas que eu colocava naqueles versos irregulares. Meu único rival, acreditava, era Fernando Pessoa. Escrevia Sonetos também: mal rimados, mal versificados. Mas como me sentia orgulhoso da minha literatura! Como fazia bem para minha alma ver se avolumar meus escritos ao lado da máquina.
Hoje, sem meu computador, eu fico lembrando da máquina, que me deu tantos momentos felizes. Minha confidente. Só ela conheceu certos versos que eu escrevia a minhas amadas. Cada coisa mais patética. Somente uma máquina de escrever poderia ser testemunha daquilo. Só ela soube da minha angústia, tentando me convencer da existência de deus, em argumentos líricos. Mesmo que fosse necessário rebobinar a fita manualmente, pois o mecanismo tinha estragado, eu fico me culpando: como pude descartá-la tão friamente?
Poderia, neste momento, estar datilografando na máquina. Poderia estar ouvindo sua música minimalista (tac, tac, tac...). Fico lembrando da grande vantagem da máquina de escrever: é editor de textos com impressora acoplada. Este artigo (ou coisa parecida) seria outro. Eu seria outro. Mas a máquina, os lixeiros a levaram. Pode ser que tenham vendido por algum trocado. Se minha Olivetti estivesse aqui, com sua cor acinzentada de plástico velho, eu teria a oportunidade de viver um tempo de inocência que não volta mais. Mas cá estou, este toco de lápis na mão.
E o (a) leitor (a) deve estar se perguntando: como foi efetivado este post? O Mr. Magoo não tava ocioso? Sim. Está lá, num canto, mais parado que minha vida sexual. Estou agora passando a limpo este texto no computador do Skol (my dear brother). Uma hora a tecnologia se torna inevitável e imprescindível. Arturo Bandini, se vivesse em nossa época, também precisaria de um computador, vezenquando. E talvez o tempo de inocência não tenha que ser revivido. Ele paira por aí. Ainda impregnado nos meus sentidos. Rimbaud escreveu, num de seus poemas, que não se pode ser sério com 17. Eu, com 32, ainda não sou um homem sério. Inda bem! Continuo o mesmo romântico, escrevendo sobre uma garota dos seus 18, chupando um pirulito de morango, colorido artificialmente.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Rede Social

Por mais que todos estejam sorrindo em rede
Ostentando frases otimistas
Dos falsos Fernando Pessoa
William Shakespeare;

Por mais que publiquem fotos
Posando com drinque na mão
Em festas esfumaçadas;

Por mais que as redes sociais pareçam
Uma confraternização de amor e amizade
Todos estão sozinhos
Tão somente
Pedindo atenção.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Paixão: Substantivo Patético


Paixão
É um substantivo patético
Seja pelo seu aspecto sonoro
Seja pelo sentimento que evoca
Mais patético
Que a palavra patético.

Pior que paixão
É o adjetivo apaixonado
Tolo particípio
“Fulano está apaixonado”
E não adianta dizer para fulano
Que a barca é furada.

Muitas vezes é melhor
Estar sozinho
Fracassado
Arruinado
Do que estar apaixonado.
Muitas vezes é melhor
Uma trave,
Um argueiro no olho.

Diversas vezes ao longo da vida
Somos miseravelmente
Acometidos pelo substantivo paixão
Por causa de paixões explosivas
Prometemos parar de fumar
De beber
De pensar
De fazer coisas inúteis
Como escrever poemas
Ou, pior que isso:
Começamos a escrever poemas de amor.

(E o amor
Mais uma vez não aconteceu.
Ah, uma cara de parvo
Ligar para os amigos esquecidos
E combinar aquela bebedeira!)

No entanto, o que seria da existência
Sem as tolices?
São os sentimentos
Atitudes patéticas, afinal,
Que fazem o mundo ter certa graça.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Poema para o Henry Chinaski que eu não sou

 Eu admiro mesmo
Quem teve coragem de fugir
Quem teve talento para não ser
Mais um funcionário público
Mais um professor
Comerciante
Engenheiro, advogado

Eu admiro mesmo
Quem colocou um violão nas costas
E pegou o primeiro trem para o indefinido
Um navio para o desconhecido
Quem teve a coragem de escrever
Escrever de verdade
E não ficou balbuciando rascunhos

Saber que boa parte da sua vida
Ficará naqueles papéis cheios de burocracia
E mesmo que desempenhe bem a função
Você acabará sempre sendo o responsável
Pelo atraso do país

Em certo momento de nossa existência
Temos a chance de cair fora disso tudo
Uma mochila, um punhado de sonhos
Juventude...

Quando esse momento passa
É se contentar em ficar careca igual uma lâmpada
Num emprego de merda
Ser diplomático
Enquanto gozam na sua cara
(Porque aceitar o sistema é uma forma sutil
e inevitável de prostituição)

Sim, não há mais tempo para On the Road
Para ser cantor folk revolucionário
Ou rockstar
Morrer também não adianta
Resta viver numa resignação heróica
Deixar que o abutre coma o nosso rim
Indefinidamente
Sem esboçarmos o mínimo sinal de dor
com uma certa volúpia, até

Viver, no fim das contas
É um ato masoquista.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Manifesto Pueril

John Baird, seu filho da puta!
Por que não pintaste um quadro?
Por que não escreveste um livro?
Por que não quiseste ser apenas um pescador?

Vladmir Zworykin, seu filho da puta!
Por que não te alistaste no exército russo?
Por que não te dedicaste à balalaica?

Essa caixa de Pandora
A espalhar moléstia
Com sua luz artificial
Caixa conferindo voz
A pastores e atores
Políticos comediantes
Espetáculos patéticos
Picadeiro
À imprensa sensacionalista
Que vibra com a última tragédia

O homem comum
Nasce
Na frente da TV
Cresce
Na frente da TV
Morre
Na frente da TV
E todo mundo crê
Na normalidade deste fato
Ninguém sente pena do indivíduo
Que viu a vida inteira distorcida
Por um caleidoscópio opiáceo

Hoje há preocupação com drogas:
Alípio da Antioquia
Quer liberar a maconha
Para todo mundo ficar legal na legalidade
Ou quer pôr seu nome em evidência
Como um velho de bolas murchas e ideias avançadas

É prioridade ver Ofônio Tigelino
Todo o domingo numa tela gigante
(LCD ou LSD?)
Vê-lo derreter qual uma vela colorida de natal
E repetir as mesmas frases feitas
De fezes

Esta máquina política
É uma faca atravessando meu crânio
Sinto ganas de ir para o meio do mato
Tirem de perto de mim esta merda!
Estou enlouquecendo
Não consigo me concentrar
Quero ouvir meus pensamentos!

Ninguém vê que um psicotrópico
Pernicioso
Tem lugar privilegiado no seio da família
No centro da sala, como  santa efígie

(Na cozinha, no banheiro, na garagem,
No computador, no celular, no Ipod
Na fila do pão, no dentista
No hospital...)

Calpúrnio Pisão
Queima o livro que não leu
Em horário nobre, em sinal digital
E é tido por todos como o profeta
Salvador do vernáculo

George Orwell:
O que você escreveria a respeito?

Todos achavam divertido e riam
Com os homenzinhos dentro da TV
As crianças pensavam que os atores
Atrizes apresentadores estavam presos
Naquele cubo donde saía som e imagem
Na verdade, quem estava de fora
É que se tornava prisioneiro

(Em 1958 a família Alves
Adquiria seu primeiro televisor
E, aos poucos,
Os livros, enciclopédias
Pereciam emudecidos na estante)

Einstein morreu lamentando
O fato de ter sido o principal autor da bomba atômica
Morreu inconformado com sua ciência
John Baird,
Vladmir Zworykin,
Ah, Vocês que criaram
Essa bomba sutil que se instala no cérebro
No pobre cotidiano das pessoas
E mata a qualidade e a força do pensamento
Será que vocês morreram felizes?

sábado, 2 de julho de 2011

Instante

O poema é promessa
de encantamento
Pedido
de abstração.

Sem valor real, palpável
O poema busca pulsar
As cordas sensíveis
Do leitor.

Sem valor venal
O poema luta pela sobrevivência
Em ouvidos
Desatentos

(Pois há rumor de tevê
Estalejar dos teclados
Carros, gritos
& relógios acoitando
o tempo);

E quando consegue transcender

(Volver-se em música
Ou antevisão)

Ganha um suspenso instante
Feito de bruto diamante.

                            Leonardo Alves

sábado, 25 de junho de 2011

Os Cantadores da Noite

Os cantadores da noite
Possuem olhos pequenos
Onde, lenta, a lua se desfaz.

Cantadores acordando
Casas, flores e fenestras;
Na celebração da vida
Ungidos com sombra e luz.

Desconhecida alegria
Destes pobres cantadores
Que seguem rindo com suas
Fanopéias, Melodias.

No espaço brusco da vida
Vão batucando o carnaval
Cansado do coração.

Rosto turvo, vincado
de cada um dos cantadores;
Córrego por onde escorre
O fero esforço da faina.

A máscara no entanto
Cai como um segundo rosto;
E eles, trapos estridentes,
São o desespero da noite,

Os cantadores da noite.

                Leonardo Alves

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Metapoética

Escrevo sob a luz elétrica
Meus versos desajeitados
Enquanto Luís de Camões
Observa meu trabalho

Fico constrangido
Com a presença do vate luso
E deito ao chão
Minha inutilidade poética

Antes do meu nascimento
Minha dor já estava por aí
Melhor escrita em versos 
De sublimada arte e engenho

Resta, nesta hora, me contentar
com o epíteto de poetastro
Ou desistir de tudo

E não há chance de Virgílio
Me acompanhar aos infernos.

sábado, 18 de junho de 2011

Cogito Ergo Sum


 
Rodrigo Oliveira
(Música de de Leonardo Alves & Rodrigo Oliveira)
Eu estava ouvindo bastante a discografia solo de John Lennon, à época. Lembro que “Steel and Glass” foi uma das canções que ouvi repetidas vezes. A partir dessa inspiração, rabisquei alguma coisa num papel (sem ligação com a letra da música do Lennon, mas com o estado de espírito que ela me despertava) e comecei a inventar uma canção em tom Am. Eu queria um refrão com uma nota sustentada por longo tempo, como na música do John; entretanto, como eu tinha escrito a letra primeiro,  sem muito refletir nas questões fonéticas, não vi possibilidade. Criei um encadeamento básico em Am F7+ e E7, com algumas variantes e uma ponte em Bb, que agora, sinceramente, não lembro os acordes. Era o que eu tinha. Melodia, nenhuma. Então resolvi ligar para o Rodrigo
 -  Aí Rod, me ajuda a terminar uma música!
 -  Tô chegando aí...
Passei a coisa toda para o Rodrigo, mostrei minha ideia, expliquei sobre o que a letra versava. Ficamos lá tomando uns tragos, jogando conversa fora, mas não conseguimos chegar a grandes conclusões. Dois dias depois, recebo por e-mail uma demo da música. Praticamente pronta. E é esta canção que apresento nesse post.
Infelizmente nem eu, nem o Rodrigo temos muito tempo, hoje, para desenvolver nossa parceria musical. Mas espero ter oportunidade de compor mais um punhado de canções com esse brother. Claro, terminar esta canção, que intitulei provisoriamente com o nome pedante de “Cogito Ergo Sum”.
Na verdade, o que hoje apresento é uma demo, falta ainda inserir a última estrofe e aparar algumas arestas na letra. Eu coloquei aqui o texto original. Algumas alterações foram feitas para adaptar à melodia. Alterações, estas, que não estão presentes na letra que segue:

Eu sou um ser pensante
Na calçada da cidade
Eu tenho uma identidade
E minha própria verdade

Ou será que sou, tão somente
Mais uma face Sem fisionomia
Um rosto esmaecido
Na cidade adormecida?

Quem dera saber
Quem me dera acreditar
Que ainda consigo sentir
Que  ainda posso pensar

À beira do rio não me vejo
Desisto de sentir o coração
Eu sou apenas meu cartão
Meu carro, tudo que desejo

À beira do caos eu me vejo
No semblante sem cor
De cada um que passa
Como um silenciar de asas
 
Eu sou um ser pensante
Na calçada da cidade
Eu tenho uma identidade
E minha  própria verdade

Ou será que sou, tão somente
A fachada conservada
Que guarda a pós-moderna
Realidade de ser nada?

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Estudo para duas Odes

Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

Fernando Pessoa – Álvaro de Campos

I

As cartas de suicida estão fora de moda
Suicídio está fora de moda
Foi uma febre romântica...

Qual o sentido implícito de tirar a própria vida?

Gosta de Mário Sá Carneiro,
Hemingway,
Sylvia Plath
Você precisa ser tão idiota como eles?

Suicídio é um ato gratuito
Só faz sentido
Para quem deixa de existir...

Ah, você queria dizer algumas verdades
na sua carta de suicida?
Na verdade pensa em escrever várias missivas
E endereçá-las a toda a corja de canalhas
Que lhe tira o sono a noite?
Chega a escrevê-las mentalmente
E sente até certa volúpia neste ato idealizado...
Mas será preciso morrer para fazer isso?
Já que você tem coragem o suficiente para pensar em tirar a própria vida
Pegue um pouco menos de coragem do seu íntimo
Coragem, só o suficiente para regurgitar o que lhe fere o coração
Vamos lá, eu lhe empresto o telefone
Ligue para A
Diga que é um pretensioso filho da puta
Ligue para B
Chame-o de mascarado sem-vergonha
corno, trapaceiro
Se não tiver o telefone de C
Mande e-mail
Procure-o em rede social

Peça divórcio...
Atire o monitor e o teclado por cima do seu colega vadio
Talvez você até consiga ser encostado por loucura
Se for algum morto que lhe tira o sono
Vá até o túmulo e mije na lápide
Mas não me venha com essa merda de se matar...

II

Ah, quer mostrar para o mundo que você é importante
E só depois de morto é que todo mundo compreenderá?
Tredo engano, meu querido
Houve um tempo em que as pessoas eram importantes
Hoje descobriu-se que os cachorros são ótimos amigos
E que os gatos só dormem e não argumentam
A verdade é que a morte do gato da família causará mais abalo
Do que a sua própria morte.

Sua morte trará mais luz a todos
E você não estará vivo para ver abrirem uma clareira
Naquele lugar onde havia a sua mesa e os seus objetos
Sobrará mais espaço na casa
Sim, porque suas quinquilharias, seus livros, discos
Todos estes objetos que para você tinha um valor especial
com sua morte, só servirão para ocupar espaço...
Tudo isso, vão mandar embora
Vender a preço de banana para as lojas especializadas
Na verdade será a grande alegria para os comerciantes de artigos usados
Seu guarda-roupas também
Tudo doado para um primo pobre ou conhecido desempregado
Aqueles sapatos que você não tinha acabado de pagar
Também vão trilhar o chão em outros pés
Quiçá, indignos

Não, você não é tão importante assim
Com sua ausência, as pessoas ficarão mais aliviadas
Sem o seu jazz-fusion, paixão de todos os dias
Não haverá cabelos seus na pia
para sua esposa reclamar

Mas a verdadeira alegria, seus filhos
Daí a pouco tempo terão outra figura paterna
Quiça um bêbado, ou um viciado em futebol
Que passará para eles os valores verdadeiros da vida:
Não ficar na segunda divisão
E gritar GOL – da forma mais viril possível
E, antagonicamente,
Afetada

Há formas de protesto mais sutis e que fazem maior efeito
Você engoliu muita bílis negra, amarela
E agora está nauseado com tudo?
Não precisa de uma arma
Use apenas palavras
Defenda-se com as palavras
Crie a própria vida com palavras
Castelos de metáforas
Exércitos de onomatopeias
Mundos de oximoros

E a morte,
Não precisa procurá-la
Ela já nasceu com você.