quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Helena


Se de Tróia
Foi ela, com beleza e rebeldia,
Causa máxima da destruição;
Tu, pelo contrário:
Num simples sorriso
No solfejar impreciso
Da inocência
Constróis, pouco a pouco,
O mundo de teu pai.
Pequenino anjo
És mais do que um mito
És real
Criança linda
Helena
Minha filha.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Vênus e o Pirulito


Dezessete anos e chupava um pirulito
Esfera vermelha com haste plástica
Colorida e aromatizada artificialmente

De vez em quando tirava da boca e lambia
e fazia com que a gulosice transitasse
Adoravelmente entre as bochechas

Talvez a lubricidade dos meus olhos...
Mas não era a forma tradicional
De chupar um pirulito
Havia qualquer gesto obsceno

Ela esperava o ônibus
Sorvendo o morango artificial
E me olhava.
Volta e meia
Sorria para mim...

E eu pensando
Que há coisas mais divertidas
Que o carrinho de mão vermelho...

E ela me olhava
Se divertia
Com o tio de 32
Que a admirava
Em silêncio.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Imprecação

Há mais pessoas sozinhas
Do que se pode imaginar.
Há um exército disperso,
Perdido
Em diversos apartamentos
Úmidos, caiados
Como pobres sepulcros.

Cada um canta sua dor
E sente a vergonha íntima de cantá-la
Pois a solitude
Àqueles que vivem em comunhão com o mundo
É apenas fragilidade
De gente parva,
Anacrônica.

Todos, nos seus respectivos
Quartos de frente para o infinito,
Todos, de alguma forma
Mesmo os ateus,
Pedem a Deus
Para serem amados.

Mas a sensação de que nenhum coração
Bate por eles
Pesa como o pêndulo do tempo
A cada segundo
Dizendo que estão
Cada vez mais velhos
E sozinhos.

Há mais pessoas sozinhas
Do que se pode imaginar.
E a dor destes solitários é grande
Como as noites de insônia
E desalento.

A dor é imensa
Como o cansaço
À hora da alvorada
Depois de tanta noite
Em vigília com seus pensamentos
Ouvindo tão somente
Os próprios lamentos.

Por isso eu rogo a deus:
Dai um amor verdadeiro a essa gente
Não deixeis que se percam
Em tortuosa mágoa, em calado pranto
Fazei com que encontrem a felicidade
A alma que lhes completará
E há de libertá-los
Das noites sem fim
e sem carinho.

Oh Deus!
Vós que destes
A eloquência ao bandoleiro
Coragem ao usurpador
Malícia ao dissoluto
Tende piedade
Dessas gente humilde
Desintegrada.

Há mais pessoas sozinhas
Do que se pode imaginar.
Deus, dai um amor verdadeiro
Para mim também.

domingo, 14 de agosto de 2011

Spleen no século XXI


We are the hollow men
We are the stuffed men

T S ELIOT


De repente ficamos ocos
Os livros lidos não pesam
Nem fazem volume
O que ingerimos
Não faz diferença
Estamos ocos

Qualquer vento nos leva
Estamos mortos
Mas vivos o suficiente
Para ligar a TV
E mergulhar os pés
Numa bacia de água quente

Na verdade precisamos
De um pouco de álcool
Para encher no nosso estômago
E depois
Regurgitar o vazio
Do ser
Oco

Steve Jobs
Pratica handjob
Enquanto
Preenchemos as lacunas
Da vida
Com seus produtos

Na verdade
Homens ocos
Do século XXI
Precisam de tecnologia

Hoje corremos atrás de dinheiro
Para sermos donos da nossa angústia
Sermos Up to date &
Mumificados

Assim como
Ofertavam aos índios
Espelhos
Como última tecnologia
Da Europa

Ofertam-nos
A preço de escravidão
Os I pod  not  net
Books
Touch screen
Fuckin’ screen

Olhamos maravilhados
Como os primeiros índios
Olhavam para os espelhos
Vendo suas próprias caras
Na lâmina tecnológica

Compramos
Sim
Compramos tudo
Por que não?
Temos cartão
O milagre da economia
Apple em 20 vezes

Só não conseguimos comprar
O passado
Conjugar o amor
E o coito
Somos órfãos
De algo que nos contemple
De verdade
Uma verdade espiritual
Que nos dê a chance de nascer

Estamos tão ocos
Com aparência de espantalhos
Mas usamos algumas fragrâncias
E colocamos panos caros
Por cima das feridas
Por cima dos braços
De palha
Do tórax
Oco

E A cabeça
Aos poucos se esvai
Consumida pelo vento.