quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Poema para 28 de Outubro


O cartão amarelo-sujo
Diz que ingressou
No serviço público
Há 30 anos

Hoje a ficha funcional
De José reaparece
Para a última anotação

O ponto final
Da sua trajetória
Discreta
Curvada
Na secretária perto da janela

No cartão roído por traças
Defecado pelas baratas
Está a história de José
Sem grandes incidentes
Ou conquistas

Além da ficha-funcional
Pouca coisa se sabe:
Não teve filhos
Era taciturno
E lamentava
Raras palavras
Para dentro de si

E que lustrava
O olhar com aguardente
- Profilaxia
Pra sua alma diáfana

Nunca o viram sorrir
Talvez não tivesse dentes
Ou era mesmo infeliz

Fora isto,
Sua vida resumida
Na ficha funcional
E mais um pouco de seus dias
Disperso nos papeis
Que passaram por sua mesa
E ganharam a caligrafia trêmula
De sua assinatura

Finalmente
O cartão amarelo-sujo
Do funcionário público
Volta
Definitivamente para o arquivo
Ao convívio com os ratos
Não menos anônimos
Que José.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Manhã


os galos podem insistir
tentando idealizar a manhã
perder suas forças
engendrando
em uníssono
seu grito

o cantar dos galos
alheio a velocidade da vida
desconhece
os prazeres do vinho da lira
e do amor

o cantar rouco dos galos
é apenas o limiar
que prenuncia
a luz

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

BR-392

Singrando
Veloz
Voraz
O pélago de asfalto

Quebrando o vento
Vou correr
Mais e mais
Voar
Pela 392


Rodovia
Vasta em perigo
Mas sigo
Célere
Louco

Rompendo artérias
A milésimos
Da clara luz
Entorpecente

O ar é um zumbido
Um gemido
No limiar
Da sanidade


Ah
Teus braços
            Multiplicados

Desejo

Volição de me acabar
No teu corpo
Agora

Ah
Sou jovem
            Novamente

Um vulto de chama

                        Desarvorado
Ardendo
Apolo em sua carruagem de fogo

A 392
Entre nós dois

Mas não é tão grande
A distância
Para quem corre sem medo
Da autodestruição

Grande é o rio
Onde se afoga
O coração...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Depois


Dois gomos
Vertendo
Aos dedos lassos
A vida

Via por onde
Freme
A essência
De tudo

Um pomo
Onde a morte
Emudece

Despertar do cais
De barcos
E velas acariciadas
Pelo vento

Balouçar
Aflito
Do Abajur

Rente a lua
Cobre seu pejo
De simbólico
Satélite

Interstício
Senda
De sangue
E vinho

Palavras loucas
Escritas na pele
Com unhas

E dentes
Saliva quente

Intumescido
O fulgor desvela
Recantos
De baunilha
&
Especiarias
Da Índia

Resinas
No dorso da grama
No Absorto
Instante
De gozo

O cheiro da relva
Molhada
No regaço
Da hora

Dois gomos
Por onde se fez
Aos olhos baços
A luz

Loucos
De alma lavada
Depois
Arquitetando
O Amor