domingo, 13 de novembro de 2011

Desaprendizagem: um exercício


Depois de certa idade
O aprendizado da vida
Consiste em desaprender

É importante desaprender o amor
Desidealizá-lo
Até se tornar uma tarde de domingo
Apenas

Importante desaprender a pressa:
A vida tem seu ritmo
E ele é lento
Rápidos são os versos doentes
E as meretrizes. 

Desaprender os livros lidos
Os personagens
E seus autores
Que, apesar de respeitáveis,
Sentiam-se ínfimos
Em certas auroras
Como nós…

Desaprender certos enfeites
Que mais pesam do que ajudam
Exemplo: linguajar afetado
Supervalorização do eu
E da coleção de latas de cerveja

É importante ressaltar
Que a artificialidade do sorriso
É muito desimportante
Bom é não treinar o sorriso
Deixar que ele floresça
Livremente
Igual às macegas

É fundamental desaprender
Certas lutas e alguns desassossegos:
Nem a revolução nem a tecnologia
Vão inventar a máquina de felicidades

Não dá pra lutar contra o dinheiro
Mas é preciso ganhar o suficiente
Para não precisar pensar nele

Inevitável desaprender o que os pais nos ensinaram
E, em troca, ensinar-lhes
Tudo que desaprendemos
Até que se sintam
Menos graves
E mais vulneráveis
Ao entardecer

Faz-se necessário
Saber
Que um copo d’água
Tem mais utilidade que um computador

E que num computador
No entanto
É possível
Escrever poemas
E outras coisas sem valor mercadológico

É forçoso desaprender os caminhos
E perder-se um pouco
Vezenquando
Corre-se o risco de encontrar uma moeda
Um arco-íris neste caminho diverso

(No desaprendizado descobrimos que as coisas
Colhidas em laborioso estudo
Ou a esmo
Só serão importantes
Quando vivenciadas, de fato
O lugar mais comum é obscuro
Sem a experiência
Como dizer da maçã
Sem prová-la?)

Chega um tempo em que os verdadeiros sábios
Que podem nos ensinar qualquer coisa útil
São as crianças

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Menino da Cidade

Sempre fui menino da cidade
por isso aprendi a só olhar para dentro de mim
e o meu dentro era cheio de flores de plástico
blecautes pátio de cimento
solidão em vasilhame enferrujado

Fui amadurecendo obliquamente
como um abacaxi verde
Num prato refratário

Depois descobri os livros
mas era o meu dentro
que eu encontrava
em Raskolnikov
Caulfield
Werther
Fausto

Hoje
no meio do caminho
já consigo ver pela frincha da noite
algo além de mim

Não o miraculoso Aleph
mas por entre os grãos d'água
um caracol dançando na chuva.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Poema de Finados


Sombra passageira -
Seremos
Mais do que isso?

Breve cansaço
Que dura o instante
De lamentar
E gozar um pouco

Amanhã seremos
Somente fotos no álbum de família
E nossos rostos ficarão
Cada vez mais estranhos e distantes
Na imagem que restou

E depois de amanhã
Seremos lembrados
Em nosso natalício
Com certo mal estar
Para quem ficou

E, finalmente, seremos vento apenas
A cada dois de novembro

Mas chegará o dia que nem memória
Nem pó restará
Nem mesmo tempo
Pois não haverá quem conte o tempo

Então por quê?
Por que tanto medo
De dizer e fazer?

Tudo é tão simples
Tão certo
A vida, a morte
De que vale sofrer?