quarta-feira, 6 de junho de 2012

Crisálida



A vida é movediça
Insegura
Não temos a garantia de que amanhã
Acordaremos para desligar o despertador

A vida é tão incerta
Como um cheque pré-datado
Contrato de gaveta
Garantia dos produtos da China

O que ontem foi beleza e viço
Hoje são dentes postiços
Sorrindo num copo d’água

O rosto envelhece antes da foto
E a foto é comida por traças
E as traças comem os livros
Que não tivemos tempo de ler
Por fim, o tempo
Devora tudo:
Fotos,
Traças
livros

E o que é realmente importante
Para nós:
Amor
Infância
Juventude
Felicidade

E não adianta tentar segurar o vento
Com as mãos
Nem sufocar o canto dos galos

Tudo se vai

E adeus 
É mister ser dito
A partir de certo momento, todos
Somos obrigados a dizer
Adeus

No silêncio casto da madrugada
Sem sonífero ou antidepressivo
Fere ouvir
O rugido indômito da maré
A jusante desfazendo nosso rosto
Levando quem amamos para longe
Enrijecendo nossas articulações
Dizendo que tudo é fugaz
E a certeza é o pó

Mas se de repente
Conseguimos aceitar
A incontinência dos dias
Com paciência, benevolência
Com a constância de um Jó
Torna-se menos exasperadora a vida

Sabendo aproveitar o que de bom existe em um segundo
Em um segundo cabe o sorriso o beijo o abraço
E o amor
Em um segundo cabe o olhar a ternura
E um verso de sete sílabas

Sabendo aceitar a inconstância, a perda
Aceitar a solidão, o desamor
Aceitar com os braços abertos
Tudo que não podemos mudar
E tentar mudar tudo nos for possível
Mudar

Assim é possível enfrentar
Cada dia que adiamos a morte
Como um dia arejado
Com fragrância de novo

Como uma chance que Deus nos dá
Para recomeçar
Traçar novos planos
Empreender um esforço sincero
Para que rebente da crisálida
Uma alma mais leve

A vida é breve e sem garantias
Talvez nesta verdade esteja toda nossa dor
E alegria também.