quarta-feira, 27 de julho de 2011

Um não-poema

Este é apenas um não-poema, uma não-arte. Não há motivos para ficarem estomagados comigo. Preocupei-me, sobretudo, com o conteúdo político-social. Minto: não houve nenhuma preocupação. As páginas de um blog são mais vagabundas que as páginas de um jornal. Talvez mais. Perecíveis. Voláteis. Não espero qualquer glória, igual a tanto poeta verde, virgem. Digo isto pois muita gente ainda espera que eu siga aquelas sacadas “geniais” dos concretistas, a poesia como uma malandragem verbal, jogo divertido/arguto de palavras (pa/lavras /na lavra inglória/ a esmo/ mês/ mo). Aqui não tem nada de divertido. Eu não sou um cara divertido. Tenho um mau humor filho-da-puta. Querem uma real: Concretismo foi um lance experimental que aconteceu há mais de 50 anos. Como muita vanguarda: já era! O melhor Concretista? Gullar e seu livro A Luta Corporal. No mais, o concretismo foi uma extensão das prerrogativas estabelecidas por Pound e seu Imagismo, poesia Ideogrâmica... Mas quem foi Ezra Pound? Um provinciano despeitado que resolveu ingerir tudo que é tipo de cultura, para depois regurgitar por cima da gente humilde da sua cidadezinha de nascença. Não sei se é possível considerar isso como poética...Não nego as virtuosidades dos irmãos Campos. Excelentes tradutores. Bons prosadores e enroladores também. Mas este semi-poema não precisava gerar tanta reflexão! Um dia ainda escrevo sobre o que realmente penso sobre poesia. Um dia escrevo a grande poesia, o grande poema.
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Dostoiévski tem que terminar o último romance
Precisa saldar dívidas
Mas ficou vidrado no Facebook
Postando fotos
E palrando
Sobre
Vasily Trediakovsky
E há
Ah, umas russas boazudas ...

Willian Shakespeare
Está tentando concluir Hamlet
No entanto há sempre alguém
que o chama no MSN
(e ele fica constrangido de cortar a conversa
- mas também,
uns gatinhos!)

Leon Tolstoi
Ainda não começou Guerra e Paz
Viciado em putaria
(Descobriu o Redtube, Porntube, fucktube, kissmyasstube)
Diz que um dia termina
(Tá pensando em diminuir o número de páginas)

Homero
Depois de escrever seu poema Ilíada
Que foi laureado como um grande épico
Tinha como plano continuar coa Odisseia
Porém ultimamente
Só quer “tuitar”
Uns lances interessantes
Sobre a Grécia Antiga
Não sobra tempo pra aventura do Ulisses

Por falar em Ulisses
James Joyce
Joga todos dias
Um RPG on line
Cagando pra literatura
Diz que vai parar
No Retrato do Artista quando Jovem.

E o leitor, como fica?
Que leitor?
O leitor tá ocupado, escrevendo
“Vc q tc?”

sábado, 23 de julho de 2011

Poema para um dia nublado

Filhos de pais medrosos
Que, num sexo furtivo
Vestido de pudor,
Nos trouxeram a este mundo
Insano
Cheio de paranoia.

E aos poucos
Foram jogando todo medo
Por cima de nós
Até sentirmos
que somos
Anjos sem asas
Vultos
Sem forma.

E a hora não tardou:
Temos que enfrentar
A vida
Lutar
Pelo pão seco
E o amor escasso

Há templos de cimento e ferro
Imagens
Versículos
Mas deus é mudo
Um placebo
Pintado com barbas brancas.

Sim, estamos sozinhos
Os pais estão velhos
E ainda possuem
Faces medrosas
Não conseguem dizer nada
A não ser:
Cuidado
A vida é perigosa!

Para eles ainda somos
crianças desamparadas
No fim ainda somos
crianças
Mas
Carregando a mesma cara
As mesmas mágoas
e medos
Dos nossos progenitores

Estamos apavorados
Tão medrosos
Já usamos bebida
Drogas
Nada adiantou
Já tentamos o Budismo
Prozac
Enriquecemos a industria farmacêutica

Estamos apavorados
Tão medrosos
que o vale da morte
parece a única saída.
O único lugar
Seguro.

domingo, 17 de julho de 2011

Máquina de Escrever

Fui ter meu primeiro computador em 2007. Eu já usava PCs em Lan house, no laboratório de informática da universidade, no trabalho. Mas o fato de eu ter recebido, à guisa de presente, um computador de 166 MHz, me impulsionou a pôr no lixo minha velha máquina de escrever. Ela já estava ociosa  há algum tempo, e ocupando um baita espaço na casa exígua. Era uma Olivetti enorme. Pesava uns 50 quilos. Cor creme? Cor de burro quando foge? Plástico envelhecido não dá para identificar com precisão a cor.
Lembro que foi maravilhoso eu ter um computador só para mim. Para o que eu precisava, ele se saía bem: edição de textos. Nunca mais necessitei da máquina de escrever. Fiquei com o 166 até 2009.
Ontem aconteceu um fato lamentável que me fez lembrar da boa e velha Olivetti: o monitor do Mr. Magoo foi pro saco. Mr. Magoo é o Pc que disponho atualmente. Um bólido de 900 MHz de processador/ 256 de memória. Causa Mortis do Monitor: umidade intensa dos últimos dias atacou sua saúde frágil. Mas não descarto a possibilidade de algum dos gatos ter mijado nele. Enfim, me vi mais uma vez desamparado pela tecnologia.
Porra, o que vou fazer?
Meu irmão tem um Personal Computer, penúltima geração no quarto. Mas eu não posso simplesmente tirar o guri do seu próprio computador. “Sai que eu preciso escrever”. A era das “ignoranças” entre irmãos já passou. Então me restou escrever à moda antiga, usando papel e caneta. Como a caneta já está se tornando um objeto obsoleto, não encontrei nenhuma em casa. Só um toco de lápis 2B. Foi com lápis que escrevi um poema que estava me brotando no cérebro, sobre uma garota chupando um pirulito de morango no ponto de ônibus. Com ele estou escrevendo essas linhas rústicas. Ah, eu pensei, que se dane! Se cortarem a luz eu escrevo alumiado com um pedaço de vela. Se não tiver mais lápis, escrevo com um pedaço de carvão. Se faltar folhas ou cadernos, escrevo no papel de pão (o papel de pão está voltando, assim como os discos de vinil) ou em papel higiênico. Nada pode parar o ofício da escrita! Por mais que a vida insista em fornicar o orifício do [pretenso]escritor.
Foi devido ao episódio do falecimento do Monitor, que lembrei da minha máquina de escrever. Até 2005, acreditem, eu a usava com certa frequência. Mas lembro do auge, que foi lá por 2000, 2001: eu batendo nas teclas, energicamente, aquela percussão agradável aos ouvidos. Chegava alguém em casa e perguntava sobre o insólito barulho. Minha mãe, talvez orgulhosa, dizia: “o guri tá escrevendo um livro, quer ser escritor”. Na verdade eu labutava nos meus poemas. Nada de muito aproveitável. Mas importante para mim. Aquela rotina de datilografar na máquina aliviava minhas frustrações, de certa forma. Já que minha juventude não tinha muito brilho, eu estava tentando dar um destino mais “nobre” para o percurso da minha existência. Escrever.
Infelizmente, a maioria dos escritos foi pro lixo; alguns que se salvaram, estão perdidos por aí, nos meus livretos feitos em xerox, que eram vendidos a preço de custo. Na época eu me via como um grande poeta. Eram emoções baratas que eu colocava naqueles versos irregulares. Meu único rival, acreditava, era Fernando Pessoa. Escrevia Sonetos também: mal rimados, mal versificados. Mas como me sentia orgulhoso da minha literatura! Como fazia bem para minha alma ver se avolumar meus escritos ao lado da máquina.
Hoje, sem meu computador, eu fico lembrando da máquina, que me deu tantos momentos felizes. Minha confidente. Só ela conheceu certos versos que eu escrevia a minhas amadas. Cada coisa mais patética. Somente uma máquina de escrever poderia ser testemunha daquilo. Só ela soube da minha angústia, tentando me convencer da existência de deus, em argumentos líricos. Mesmo que fosse necessário rebobinar a fita manualmente, pois o mecanismo tinha estragado, eu fico me culpando: como pude descartá-la tão friamente?
Poderia, neste momento, estar datilografando na máquina. Poderia estar ouvindo sua música minimalista (tac, tac, tac...). Fico lembrando da grande vantagem da máquina de escrever: é editor de textos com impressora acoplada. Este artigo (ou coisa parecida) seria outro. Eu seria outro. Mas a máquina, os lixeiros a levaram. Pode ser que tenham vendido por algum trocado. Se minha Olivetti estivesse aqui, com sua cor acinzentada de plástico velho, eu teria a oportunidade de viver um tempo de inocência que não volta mais. Mas cá estou, este toco de lápis na mão.
E o (a) leitor (a) deve estar se perguntando: como foi efetivado este post? O Mr. Magoo não tava ocioso? Sim. Está lá, num canto, mais parado que minha vida sexual. Estou agora passando a limpo este texto no computador do Skol (my dear brother). Uma hora a tecnologia se torna inevitável e imprescindível. Arturo Bandini, se vivesse em nossa época, também precisaria de um computador, vezenquando. E talvez o tempo de inocência não tenha que ser revivido. Ele paira por aí. Ainda impregnado nos meus sentidos. Rimbaud escreveu, num de seus poemas, que não se pode ser sério com 17. Eu, com 32, ainda não sou um homem sério. Inda bem! Continuo o mesmo romântico, escrevendo sobre uma garota dos seus 18, chupando um pirulito de morango, colorido artificialmente.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Rede Social

Por mais que todos estejam sorrindo em rede
Ostentando frases otimistas
Dos falsos Fernando Pessoa
William Shakespeare;

Por mais que publiquem fotos
Posando com drinque na mão
Em festas esfumaçadas;

Por mais que as redes sociais pareçam
Uma confraternização de amor e amizade
Todos estão sozinhos
Tão somente
Pedindo atenção.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Paixão: Substantivo Patético


Paixão
É um substantivo patético
Seja pelo seu aspecto sonoro
Seja pelo sentimento que evoca
Mais patético
Que a palavra patético.

Pior que paixão
É o adjetivo apaixonado
Tolo particípio
“Fulano está apaixonado”
E não adianta dizer para fulano
Que a barca é furada.

Muitas vezes é melhor
Estar sozinho
Fracassado
Arruinado
Do que estar apaixonado.
Muitas vezes é melhor
Uma trave,
Um argueiro no olho.

Diversas vezes ao longo da vida
Somos miseravelmente
Acometidos pelo substantivo paixão
Por causa de paixões explosivas
Prometemos parar de fumar
De beber
De pensar
De fazer coisas inúteis
Como escrever poemas
Ou, pior que isso:
Começamos a escrever poemas de amor.

(E o amor
Mais uma vez não aconteceu.
Ah, uma cara de parvo
Ligar para os amigos esquecidos
E combinar aquela bebedeira!)

No entanto, o que seria da existência
Sem as tolices?
São os sentimentos
Atitudes patéticas, afinal,
Que fazem o mundo ter certa graça.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Poema para o Henry Chinaski que eu não sou

 Eu admiro mesmo
Quem teve coragem de fugir
Quem teve talento para não ser
Mais um funcionário público
Mais um professor
Comerciante
Engenheiro, advogado

Eu admiro mesmo
Quem colocou um violão nas costas
E pegou o primeiro trem para o indefinido
Um navio para o desconhecido
Quem teve a coragem de escrever
Escrever de verdade
E não ficou balbuciando rascunhos

Saber que boa parte da sua vida
Ficará naqueles papéis cheios de burocracia
E mesmo que desempenhe bem a função
Você acabará sempre sendo o responsável
Pelo atraso do país

Em certo momento de nossa existência
Temos a chance de cair fora disso tudo
Uma mochila, um punhado de sonhos
Juventude...

Quando esse momento passa
É se contentar em ficar careca igual uma lâmpada
Num emprego de merda
Ser diplomático
Enquanto gozam na sua cara
(Porque aceitar o sistema é uma forma sutil
e inevitável de prostituição)

Sim, não há mais tempo para On the Road
Para ser cantor folk revolucionário
Ou rockstar
Morrer também não adianta
Resta viver numa resignação heróica
Deixar que o abutre coma o nosso rim
Indefinidamente
Sem esboçarmos o mínimo sinal de dor
com uma certa volúpia, até

Viver, no fim das contas
É um ato masoquista.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Manifesto Pueril

John Baird, seu filho da puta!
Por que não pintaste um quadro?
Por que não escreveste um livro?
Por que não quiseste ser apenas um pescador?

Vladmir Zworykin, seu filho da puta!
Por que não te alistaste no exército russo?
Por que não te dedicaste à balalaica?

Essa caixa de Pandora
A espalhar moléstia
Com sua luz artificial
Caixa conferindo voz
A pastores e atores
Políticos comediantes
Espetáculos patéticos
Picadeiro
À imprensa sensacionalista
Que vibra com a última tragédia

O homem comum
Nasce
Na frente da TV
Cresce
Na frente da TV
Morre
Na frente da TV
E todo mundo crê
Na normalidade deste fato
Ninguém sente pena do indivíduo
Que viu a vida inteira distorcida
Por um caleidoscópio opiáceo

Hoje há preocupação com drogas:
Alípio da Antioquia
Quer liberar a maconha
Para todo mundo ficar legal na legalidade
Ou quer pôr seu nome em evidência
Como um velho de bolas murchas e ideias avançadas

É prioridade ver Ofônio Tigelino
Todo o domingo numa tela gigante
(LCD ou LSD?)
Vê-lo derreter qual uma vela colorida de natal
E repetir as mesmas frases feitas
De fezes

Esta máquina política
É uma faca atravessando meu crânio
Sinto ganas de ir para o meio do mato
Tirem de perto de mim esta merda!
Estou enlouquecendo
Não consigo me concentrar
Quero ouvir meus pensamentos!

Ninguém vê que um psicotrópico
Pernicioso
Tem lugar privilegiado no seio da família
No centro da sala, como  santa efígie

(Na cozinha, no banheiro, na garagem,
No computador, no celular, no Ipod
Na fila do pão, no dentista
No hospital...)

Calpúrnio Pisão
Queima o livro que não leu
Em horário nobre, em sinal digital
E é tido por todos como o profeta
Salvador do vernáculo

George Orwell:
O que você escreveria a respeito?

Todos achavam divertido e riam
Com os homenzinhos dentro da TV
As crianças pensavam que os atores
Atrizes apresentadores estavam presos
Naquele cubo donde saía som e imagem
Na verdade, quem estava de fora
É que se tornava prisioneiro

(Em 1958 a família Alves
Adquiria seu primeiro televisor
E, aos poucos,
Os livros, enciclopédias
Pereciam emudecidos na estante)

Einstein morreu lamentando
O fato de ter sido o principal autor da bomba atômica
Morreu inconformado com sua ciência
John Baird,
Vladmir Zworykin,
Ah, Vocês que criaram
Essa bomba sutil que se instala no cérebro
No pobre cotidiano das pessoas
E mata a qualidade e a força do pensamento
Será que vocês morreram felizes?

sábado, 2 de julho de 2011

Instante

O poema é promessa
de encantamento
Pedido
de abstração.

Sem valor real, palpável
O poema busca pulsar
As cordas sensíveis
Do leitor.

Sem valor venal
O poema luta pela sobrevivência
Em ouvidos
Desatentos

(Pois há rumor de tevê
Estalejar dos teclados
Carros, gritos
& relógios acoitando
o tempo);

E quando consegue transcender

(Volver-se em música
Ou antevisão)

Ganha um suspenso instante
Feito de bruto diamante.

                            Leonardo Alves