terça-feira, 9 de outubro de 2012

Epifania do Óbvio


As coisas óbvias
Não saltam aos olhos
tão obvias
que parece tolice
dar por elas

hoje
a grande epifania do óbvio
                              me ocorreu:

Estou vivo

Sim,
       vivo
escrevendo este poema
Pensando e sentindo
Tentando acomodar as costas
nesta cadeira comprada em 10 vezes
tentando acomodar o ser
no universo
em expansão
              dispersão
                            solidão

Estou vivo e me move o desejo
               súbito
De juntar letras
numa determinada combinação
e dar  justificativa
A esse ato gratuito

Eu podia muito bem estar morto
Já que morrer é normal
E a morte acontece
a qualquer idade

(sei que amanhã posso não estar
Mais em carne, osso & sentimentos
Apalpando o mistério

Mas o que importa
é o hoje
Gravado nestes versos
Que tentam
Sem muita fidelidade
 resumir
As milhares de sensações
Que me ocorrem)


Entre umidade
livros
computador
Cá estou
Neurônios em ebulição
Gerando incongruências
Engendrando o drama
Usando verbos
Conjugando percepções
Acomodando fonemas
Num ritmo disperso
Com a disposição de espremer poesia
Do instante

Sentindo
A grande comoção de estar vivo
Escrevendo um poema
Para dizer unicamente
Que estou vivo.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Crisálida



A vida é movediça
Insegura
Não temos a garantia de que amanhã
Acordaremos para desligar o despertador

A vida é tão incerta
Como um cheque pré-datado
Contrato de gaveta
Garantia dos produtos da China

O que ontem foi beleza e viço
Hoje são dentes postiços
Sorrindo num copo d’água

O rosto envelhece antes da foto
E a foto é comida por traças
E as traças comem os livros
Que não tivemos tempo de ler
Por fim, o tempo
Devora tudo:
Fotos,
Traças
livros

E o que é realmente importante
Para nós:
Amor
Infância
Juventude
Felicidade

E não adianta tentar segurar o vento
Com as mãos
Nem sufocar o canto dos galos

Tudo se vai

E adeus 
É mister ser dito
A partir de certo momento, todos
Somos obrigados a dizer
Adeus

No silêncio casto da madrugada
Sem sonífero ou antidepressivo
Fere ouvir
O rugido indômito da maré
A jusante desfazendo nosso rosto
Levando quem amamos para longe
Enrijecendo nossas articulações
Dizendo que tudo é fugaz
E a certeza é o pó

Mas se de repente
Conseguimos aceitar
A incontinência dos dias
Com paciência, benevolência
Com a constância de um Jó
Torna-se menos exasperadora a vida

Sabendo aproveitar o que de bom existe em um segundo
Em um segundo cabe o sorriso o beijo o abraço
E o amor
Em um segundo cabe o olhar a ternura
E um verso de sete sílabas

Sabendo aceitar a inconstância, a perda
Aceitar a solidão, o desamor
Aceitar com os braços abertos
Tudo que não podemos mudar
E tentar mudar tudo nos for possível
Mudar

Assim é possível enfrentar
Cada dia que adiamos a morte
Como um dia arejado
Com fragrância de novo

Como uma chance que Deus nos dá
Para recomeçar
Traçar novos planos
Empreender um esforço sincero
Para que rebente da crisálida
Uma alma mais leve

A vida é breve e sem garantias
Talvez nesta verdade esteja toda nossa dor
E alegria também.

domingo, 27 de maio de 2012

5:00 AM



Mais que uma rima pobre
Entre os teus olhos e os meus
Década de vinho tinto
Versos quebrados
Pelo sopro da madrugada
& da insônia

Penumbra
Feita de café,  nicotina
Acidentalmente iluminada
Pelo teu sorriso

Sorriso que me transforma
Em vulto trêmulo
Do século XIX
Não sou Leonardo Alves
Sou Álvares
Casto fazedor de versos

Não consigo, ainda
Decifrar a morte da lucidez
Talvez o absinto da tua juventude
Talvez uma queda
Abstrata

Entre tons da tua voz
- Às vezes terna, em gentil,
Às vezes altiva, ferina –
Menina
Mulher imaculada  
Adorável pondo safiras
E diamantes entre vogais…

Música que eu quero ouvir
Até morrer
Por favor não me  tapem os ouvidos
Não me prendam 
Quero cair nestas águas

Gestos que recendem cor e perfume
O corpo é um jardim
Anunciando o prazer
Quem dera minhas mãos imprecisas
Colher teu regozijo
Às vésperas da primavera!

Ah, doce embriagues…
Caminharíamos pelas ruas
Juntos, esquecidos da dor
E do aroma acre
Das paredes & calçadas noturnas

Dançaríamos
Ignorando o tempo
Aquecidos pelo fogaréu
Que eu faria com todos meus livros
E covardias

Era para existir uma lei
Proibindo um olhar tão lindo
E uns lábios doces & molhados
Que semeiam bardos tristes
Nefelibatas
Entre paredes de gesso & metal

Era para existir uma lei
No teu coração
Dizendo para amar
O casto fazedor de versos
Que esqueceu de adormecer.