domingo, 17 de julho de 2011

Máquina de Escrever

Fui ter meu primeiro computador em 2007. Eu já usava PCs em Lan house, no laboratório de informática da universidade, no trabalho. Mas o fato de eu ter recebido, à guisa de presente, um computador de 166 MHz, me impulsionou a pôr no lixo minha velha máquina de escrever. Ela já estava ociosa  há algum tempo, e ocupando um baita espaço na casa exígua. Era uma Olivetti enorme. Pesava uns 50 quilos. Cor creme? Cor de burro quando foge? Plástico envelhecido não dá para identificar com precisão a cor.
Lembro que foi maravilhoso eu ter um computador só para mim. Para o que eu precisava, ele se saía bem: edição de textos. Nunca mais necessitei da máquina de escrever. Fiquei com o 166 até 2009.
Ontem aconteceu um fato lamentável que me fez lembrar da boa e velha Olivetti: o monitor do Mr. Magoo foi pro saco. Mr. Magoo é o Pc que disponho atualmente. Um bólido de 900 MHz de processador/ 256 de memória. Causa Mortis do Monitor: umidade intensa dos últimos dias atacou sua saúde frágil. Mas não descarto a possibilidade de algum dos gatos ter mijado nele. Enfim, me vi mais uma vez desamparado pela tecnologia.
Porra, o que vou fazer?
Meu irmão tem um Personal Computer, penúltima geração no quarto. Mas eu não posso simplesmente tirar o guri do seu próprio computador. “Sai que eu preciso escrever”. A era das “ignoranças” entre irmãos já passou. Então me restou escrever à moda antiga, usando papel e caneta. Como a caneta já está se tornando um objeto obsoleto, não encontrei nenhuma em casa. Só um toco de lápis 2B. Foi com lápis que escrevi um poema que estava me brotando no cérebro, sobre uma garota chupando um pirulito de morango no ponto de ônibus. Com ele estou escrevendo essas linhas rústicas. Ah, eu pensei, que se dane! Se cortarem a luz eu escrevo alumiado com um pedaço de vela. Se não tiver mais lápis, escrevo com um pedaço de carvão. Se faltar folhas ou cadernos, escrevo no papel de pão (o papel de pão está voltando, assim como os discos de vinil) ou em papel higiênico. Nada pode parar o ofício da escrita! Por mais que a vida insista em fornicar o orifício do [pretenso]escritor.
Foi devido ao episódio do falecimento do Monitor, que lembrei da minha máquina de escrever. Até 2005, acreditem, eu a usava com certa frequência. Mas lembro do auge, que foi lá por 2000, 2001: eu batendo nas teclas, energicamente, aquela percussão agradável aos ouvidos. Chegava alguém em casa e perguntava sobre o insólito barulho. Minha mãe, talvez orgulhosa, dizia: “o guri tá escrevendo um livro, quer ser escritor”. Na verdade eu labutava nos meus poemas. Nada de muito aproveitável. Mas importante para mim. Aquela rotina de datilografar na máquina aliviava minhas frustrações, de certa forma. Já que minha juventude não tinha muito brilho, eu estava tentando dar um destino mais “nobre” para o percurso da minha existência. Escrever.
Infelizmente, a maioria dos escritos foi pro lixo; alguns que se salvaram, estão perdidos por aí, nos meus livretos feitos em xerox, que eram vendidos a preço de custo. Na época eu me via como um grande poeta. Eram emoções baratas que eu colocava naqueles versos irregulares. Meu único rival, acreditava, era Fernando Pessoa. Escrevia Sonetos também: mal rimados, mal versificados. Mas como me sentia orgulhoso da minha literatura! Como fazia bem para minha alma ver se avolumar meus escritos ao lado da máquina.
Hoje, sem meu computador, eu fico lembrando da máquina, que me deu tantos momentos felizes. Minha confidente. Só ela conheceu certos versos que eu escrevia a minhas amadas. Cada coisa mais patética. Somente uma máquina de escrever poderia ser testemunha daquilo. Só ela soube da minha angústia, tentando me convencer da existência de deus, em argumentos líricos. Mesmo que fosse necessário rebobinar a fita manualmente, pois o mecanismo tinha estragado, eu fico me culpando: como pude descartá-la tão friamente?
Poderia, neste momento, estar datilografando na máquina. Poderia estar ouvindo sua música minimalista (tac, tac, tac...). Fico lembrando da grande vantagem da máquina de escrever: é editor de textos com impressora acoplada. Este artigo (ou coisa parecida) seria outro. Eu seria outro. Mas a máquina, os lixeiros a levaram. Pode ser que tenham vendido por algum trocado. Se minha Olivetti estivesse aqui, com sua cor acinzentada de plástico velho, eu teria a oportunidade de viver um tempo de inocência que não volta mais. Mas cá estou, este toco de lápis na mão.
E o (a) leitor (a) deve estar se perguntando: como foi efetivado este post? O Mr. Magoo não tava ocioso? Sim. Está lá, num canto, mais parado que minha vida sexual. Estou agora passando a limpo este texto no computador do Skol (my dear brother). Uma hora a tecnologia se torna inevitável e imprescindível. Arturo Bandini, se vivesse em nossa época, também precisaria de um computador, vezenquando. E talvez o tempo de inocência não tenha que ser revivido. Ele paira por aí. Ainda impregnado nos meus sentidos. Rimbaud escreveu, num de seus poemas, que não se pode ser sério com 17. Eu, com 32, ainda não sou um homem sério. Inda bem! Continuo o mesmo romântico, escrevendo sobre uma garota dos seus 18, chupando um pirulito de morango, colorido artificialmente.

7 comentários:

Vinícius disse...

Meus pêsames pelo Mrº Magoo! Essa CRÔNICA é muito boa, muito boa mesmo!

Unknown disse...

Muito obrigado Vinícius. Tua participação engrandece este blog. Abração.

Alexandre Antonio disse...

Tá certo, mas e o poema sobre a garota chupando o pirulito?

Unknown disse...

Ele tá num bloco de rascunhos. Ainda tenho q fazer algumas emendas. Vamos ver se vai prestar...
Abração

Jaime Adilton disse...

Meus parabéns pela realização de tão esplêndida crônica. Tenho 34 anos e sou da geração que aprendeu a dalilografar e fiz meus primeiros rabiscos literários também nuna Olivetti! Quanto tempo, quanto pretenso lirismo!!! E o que falar de Vênus e o Pirulito? Simplesmente... poesia!

Unknown disse...

Fico feliz que tenha gostado desta crônica. Eu ainda me sinto meio desajeitado escrevendo este gênero textual.
Tenho bastante saudade da minha máquina de escrever. Não sei como pude descartá-la tão facilmente. Não pelo valor material, mas pelo período de minha vida que ela evocava. Creio que o tempo faz com que eu fique cada vez mais saudosista.
Muito obrigado por acompanhar este espaço. Abraço!

Vinicius Alves Hax disse...

Legal. Até me deu uma ligeira vontade de ter uma máquina de escrever, mas passou rápido.

Tem um escritor famoso, não me lembro se é o Stephen King que até hoje escreve seus best sellers em maquina de escrever, para evitar distrações. Acho que está certo. De alguma maneira o computador e principalmente a Internet nos tornam muito mais consumidores do que produtores de informação.