quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Poemas da Infância

Estes poemas símplices estavam guardados em uma das pastas onde coloco todos meus rascunhos que não pretendo publicar no blog ou qualquer outro meio (sim, eu ainda escrevo, fisicamente falando - com caneta & papel). Duas folhas com uma caligrafia horrível, escritas, às vésperas do sono de um dia ignorado. Sei que foram escritos nesse ano.  Entretanto, depois de reler, dei por acreditar que eles possuem algum valor. À época os engendrei na ingênua tentativa de autoconhecimento. Não era minha principal preocupação o “estético” muito menos emular Manoel de Barros. Apenas reminiscências. Algumas não tão boas, mas que formaram meu caráter ou perpetraram as lacunas na minha personalidade.
Deixo claro que não é guardo sentimentos ruins com relação aos meus pais. Principalmente meu pai, um personagem que aparece, nem sempre pintado com tintas muito favoráveis. Se for para perdoar, já perdoei. Na verdade, sou grato por muita coisa. Pais muitas vezes não sabem como lidar com essa extrema complexidade que é ter um filho e acabam cometendo erros. Também sou pai e faço o possível para não cometer erros; mas como o possível nem sempre é suficiente, fica aquela sensação de que podia ter feito melhor. Também não foram escritos com o pernicioso sentimento de autocomiseração. Apenas autoconhecimento, como já havia me referido.
Publicá-los também  é a garantia de mantê-los. Quanta coisa joguei fora e hoje me arrependo! Não eram boas mas faziam parte da minha história. Uma história quase sem enredo, mas uma história. Mereciam uma boa revisão. Mas a preguiça não permitiu. Paciência. Pode ser que o valor esteja na rusticidade com que foram concebidos.
“Publicar” é um verbo forte quando nos referimos a post de blogs. A abrangência é bem limitada. Por isso não me sinto desconfortável em desnudar esses 1% da minha infância/ minha alma. Metade das visitas são minhas mesmo, visualizando como ficaram os textos. Se o espaçamento, a fonte ficou legal.  Claro, tenho leitores & leitoras fiéis. Sou grato. Valem por muitos.
A introdução ficou longa, peço desculpas. Pego a viola e entoo as canções, duma vez:


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Minha mãe escrevia poemas
Um dia conheceu um rapaz bonito que tinha uma moto
Emprestou o caderno com seus poemas para ele
E o rapaz perdeu a poesia da minha mãe

Pouco tempo depois eles casaram
Eu nasci
E minha mãe não escreveu mais
Nenhum poema.


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Era 1981 e a segunda guerra já havia acabado
No entanto o Spitifire
Famoso caça britânico
Era objeto de desavença

De um lado um pai que não queria ser pai
Do outro um menino de três anos de idade que queria brincar
Voar no aviãozinho

Já o pai queria que ele ficasse como enfeite
Na parede

A criança chorou porque o avião não podia sair dali
O choro foi intenso e incomodou o pai que não queria ser pai
A mãe tentava apaziguar a contenda
Distrair seu filho com outros objetos de menor valor
Mas o menino insistia
Queria voar no Spitfire
E continuava a chorar...

E, numa atitude descontrolada, o pai
Quebrou o caça britânico em mil pedaços

E assim acabou a guerra.


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Com quatro anos não se sabe o que é namorar
Mas eu acreditava que namorava Cláudia
Não lembro se cheguei a dizer isso para ela
Não faria muita diferença

Era uma tarde nublada e fria
Caia uma névoa tristonha
Nós conversávamos na frente de casa
E ela disse que ia sair um pouco para ver
A TV nova que seu pai comprou
Que eu a esperasse

E eu esperei na rua
Uma hora, duas horas...
Quando já anoitecia
Minha mãe me chamou para casa

Eu estava com febre
Tive convulsão
Chamaram médico
Cláudia não apareceu


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Acho que ele estava na sexta cerveja
E diz para mim que não queria ter casado com minha mãe
E que ela deixou que eu fosse concebido para prendê-lo
(pois o enganara sobre o anticoncepcional)
Que a vida dele teria sido melhor

Eu perguntei: “então tu gostaria que eu não tivesse nascido?”
Ele ficou meio atônito, pensativo,
E finalmente disse:
“Provavelmente tua alma iria brotar em outra criança de outra família
Assim como a alma do teu irmão”

Achou uma escapatória no lirismo ébrio

Até hoje me lembro dessa conversa
E sua resposta até hoje não me convenceu
(meu pai nunca acreditou em alma)


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Eu tinha uns esquilos de plástico
Meus brinquedos favoritos
Foram tão importantes que
Eles se personificavam em amigos

Se tornavam do tamanho de crianças
E eu brincava com eles
Todos tinham nomes
Que lhes atribuí

Meus pais achavam graça
E ao mesmo tempo estranho

Estranho por que eles não tiveram uma infância
Tão sozinha
Que era preciso inventar...
Improvisar amigos


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Lembro-me de poucos aniversários
Da primeira infância
Um dos que lembro
Foi na casa grande do avô

Ganhei um peixe amarelo do tio Lu
Uma bola do Inter, não me lembro de quem

Minhas tias, que na época não eram velhas
Minha mãe novinha
Com cabelo horrível
Moda anos 80

Havia bolo, como em todo aniversário
E crianças chorando
E balões

Uma das fotos que tenho
Eu fardado de jogador de futebol
Com a bola do Inter

Até hoje não gosto de futebol.


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Os fins de semana do meu pai eram sagrados
Ele tomava vinho no almoço e dormia toda a tarde do sábado
E era sagrado não fazer o mínimo barulho
Ah, se ele se acordasse, a casa desmoronava!

Eu lembro que queria entrar no meu quarto
Para pegar meus brinquedos
Mas não tinha coragem
Estava com medo de acordá-lo

Então fiquei chorando na rua
Saudoso dos meus brinquedos

Minha mãe contou a história para ele depois
Sobre meu choro e o medo de acordá-lo
Ele se sentiu culpado, criou-se uma discussão
Mas depois de todo drama,
Foi estabelecido em juízo
Que eu era o culpado, exagerado
E medroso.


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Às vezes meu pai era legal
Chegava em casa
cansado do serviço
E mesmo assim brincava um pouco comigo
Com carrinhos
Jogava dama...

As coisas boas ficam, também
E meu pai, muitas vezes
Conseguia ser pai.


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Certa vez minha bolinha de tênis
Caiu em um buraco fundo
Coloquei o braço dentro
Para pegá-la
E acabei pegando um sapo na mão
Ele era úmido e gelado...

Minha prima disse que xxi de sapo deixa cego
E eu fiquei esperando a cegueira chegar
Deus, não poderia mais ver desenhos!

Mas o sapo, coitadinho, não deixa ninguém cego
Ficou assustado, com aquela mão invadindo sua casa
E não dormiu à noite.


**********************
Hoje meu pai tem 62 anos
Eu, 34
Em 34 anos nunca o chamei de pai

Não sei por que...
Talvez por que ele nunca fez questão
(No geral as crianças aprendem o que os pais ensinam)

Lembro-me de minha avó e bisavó
Dizerem que era erro chamá-lo de Paulo
Era pai

Mas depois todo mundo se acostumou
Principalmente eu

Hoje seria  algo bastante constrangedor
Chamá-lo Pai



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Um dia meu avô chegou a nossa casa
Trazia um saco que dizia ser um presente para mim
Fiquei super feliz

Quando abri o saco eram apenas tocos de madeira!
Cada qual de um tamanho diferente.

Eu ia dizer que eram apenas pedaços de madeira

Mas meu avô disse:
“Tá vendo:  esse é o caminhão, esse é o carro, 
Este outro é uma casa”

E realmente ele estava certo
Meu avô me ensinou a ver o potencial das coisas, de objetos
Aparentemente abjetos.

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Era um dia cinza
Minha mãe grávida do meu irmão
Íamos comprar doce
E no caminho do mercado encontramos uma carteira
Quando fiz um gesto para pegar

Foi como se desmoronasse o mundo
Uma explosão no céu, temporal inesperado
Minha mãe caiu

Assustados, voltamos correndo para casa
A carteira ficou lá... Nem nos lembramos de pegar

No fim, minha mãe disse que eu a derrubei
Pois me desequilibrei e a levei junto ao chão
Até hoje não lembro direito

Sei que o tombo fez com que meu irmão ficasse
Sentado na barriga dela
No dia do parto ela e meu irmão quase morreram
Foi quando descobri o que era a culpa.


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Não havia rádio na casa grande do meu avô
(Embora meu pai conte que o vô
Adorava música e em tempos antigos investia em toca-discos e long-plays )

Lembro que o primeiro rádio
Fomos na Hermes Macedo comprar

Era um rádio Am bonito
Minha mãe ouvia horóscopo
E as canções da época

E a primeira vez que me interessei por música
Foi através do tal rádio
Com Michael Jackson
Isso já em 1983
E morávamos em outra casa

Muito tempo depois destruí o rádio
Fixei fios nos contatos das pilhas e liguei na tomada
Tomei um grande susto, houve uma explosão.
Ficou inutilizável
Foi pro lixo.


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Mãe lia gibis para mim
E dizia que a lua era de queijo

Eu ficava bravo
Porque ela começava a rir das histórias
E eu não entendia...
“mãe pára de rir e me conta!”

Minha mãe sempre foi boa
De um jeito simples
Mas essencial

Até hoje ela é boa
E até hoje fico bravo com ela
Embora continue a amando
Como nos tempos que lia gibis para mim.


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Meu irmão nasceu em 1986
O Parto foi difícil
Ele estava do avesso e com cordão umbilical
Enrolado no pescoço

Mas nasceu saudável
No dia seguinte fui com meu pai e meu avô no hospital
Visitar mãe e  mano
Eu não podia entrar para visitá-los, pois não era permitida
Entrada de crianças
Mas abriram uma exceção.

Minha mãe, apesar do cansaço e sofrimento
Estava bem.
(Eu esperava que ela fosse ficar um pouco mais feliz em me ver)
O mano ao lado dela num berço de ferro.

Meu vô perguntou o que eu tinha achado do mano:
Eu disse:
“Ele é negrinho, né!”

(por causa do quase enforcamento no ventre
Ele nasceu bem escurinho)

Passaram os dias
Ele e minha mãe já em casa
Meu irmão foi ficando loiro e claro.
Na época não entendi
Era mágica?

********************
Mãe saiu para as compras
“Cuida teu irmão que já volto”
Eu sentado no chão com gibis
E ele no berço, já ficava de pé.

Havia um monte de brinquedos no berço
Mas ele estava interessado nos meus gibis

De repente um estrondo
Caiu no chão
Mais de um metro e meio de altura
Era bastante para uma criança de menos de um ano
Veio uma vizinha, pois comecei a chorar junto com mano

Minha mãe chegou e tava toda aquela confusão
Mas meu irmão não chegou a se machucar
E mais uma vez, a culpa...

Não cuidei direito dele
Fui perdoado depois de uma reprimenda
Eu tinha sete anos
Nunca me perdoei.


4 comentários:

Cátia disse...

Viajei pra minha infância lendo teus escritos Léo!!! Maravilhaaaaa!

Unknown disse...

Obrigado, Cátia! Fico muito feliz que tenhas curtido a postagem! Abração, querida!

Vanessa Regina disse...

Tão difícil escrever com essa lucidez [e acidez) sobre a infância, sem perder o jeito pueril de ver as coisas. Gostei muito desses poemas, Leo!

Unknown disse...

Obrigado por acompanhar meus textos, Vanessa! Teus comentários sempre me fazem feliz. Espero escrever a segunda leva de poemas da infância.
Beijos, dear!