domingo, 8 de maio de 2011

E por falar em poesia...


Para meus três ou quatro leitores, vou traçar, de forma resumida, minhas leituras de poesia, minhas influências, além de falar um pouco sobre minha criação poética. A necessidade de escrever começou um pouco tarde. Com 19 anos. Rimbaud, com essa idade, já havia se aposentado da literatura. Bom, aos 19 ainda não escrevia coisas que poderiam ser chamadas de poema (será que hoje eu escrevo?). Escrevia, de forma bem solta e assimétrica, algumas letras de músicas. Umas poucas vingaram e se tornaram canções, como “Memórias” e “Muro”. “Sombras” foi musicada pelo Tiago e o Rodrigo, dois grandes amigos. Muita coisa acabei colocando no lixo. Meu interesse pela poesia ocorreu no ano seguinte, quando foi parar em minhas mãos uma antologia de poetas brasileiros. Do Barroco ao Modernismo. Até então, na obscuridade em que eu vivia, não imaginava como alguém poderia ler um livro de poesia. Parecia algo enfadonho e inútil. Mas surgiu aquele livro... E eu não conseguia largá-lo. Sei que os primeiros poetas que me chamaram a atenção foram Álvares de Azevedo e Castro Alves. O primeiro por pura identificação. Aquela poesia juvenil, dolorida e confessional tocou direto minha sensibilidade. Castro Alves me encantou pela beleza de imagens, o léxico sofisticado e a sua grandiloqüência. Minha primeira leitura de “O navio negreiro” foi bastante impactante. Lembro que anotei ao lado das páginas todas as palavras difíceis, na tentativa de não perder nada do poema. Mas Castro Alves não me encantou somente através de sua poesia com temática abolicionista. Aqueles poemas com um toque de sensualidade também me cativaram, como “Adormecida” e “O adeus de Teresa”. Lembro que os modernistas não me causaram grande deslumbramento. Mas um, entre eles, conseguiu minha atenção: Augusto Frederico Schmitd. Não era o verso convencional, metrificado, mas também não se tratava de algo coloquial como os demais modernos se apresentavam. É claro, que depois fui entender o porquê. Tratava-se de um poeta que escrevia sob a atmosfera do romantismo (ou pós-romantismo – se é que tal nomenclatura existe), ainda que em verso livre. Até hoje trago em minha memória os versos do belo poema “Retrato do Desconhecido”. Eis um exceto do texto:
Ele tinha uns ombros estreitos, e a sua voz era tímida,
Voz de um homem perdido no mundo,
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças,
Voz que não manda nunca,
Voz que não pergunta,
Voz que não chama,
Voz de obediência e de resposta,
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas,
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas.

Há vozes que aclaram o ser,
Macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio,
Vozes de sonho, de maldição e de doçura.
Os ombros eram estreitos,
Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do
 amor inconfundível, (...)
(A. F. Schmitd)
            Meu primeiro livro de poemas, que comprei num sebo, foi uma coletânea do A. de Azevedo. Depois se seguiram Casimiro de Abreu (emprestei As Primaveras e nunca me devolveram), Cruz e Souza, Alphonsus Guimarães, até eu chegar em Fernando Pessoa. Lembro que adquiri um livro de bolso (que já não faz mais parte de minha coleção – esse doei de bom grado a uma pessoa especial), com poemas escolhidos. A seção destinada a Álvaro de Campos foi a que me fez acordar para a poesia moderna. Não sei se é regra, mas todos os poetas verdes acabam gostando mais do heterônimo Álvaro de Campos. Interessante que sempre me identifiquei com essa poesia mais confessional, pessimista. O “Engenheiro Sensacionista” tinha essas características. Seus textos raramente trazem uma nota de otimismo. No entanto, se diferenciavam dos românticos que eu tinha lido, pois investigava a problemática do ser no mundo moderno. Não eram mais lamentos de amor platônico. Eram lamentos do homem tentando fazer parte de um mundo para o qual não foi feito. Até hoje Fernando Pessoa faz parte de minhas leituras. Mas já volto minha atenção mais para os poemas do ortônimo (ele-mesmo). Depois disso, lembro que me encantei com a falsa simplicidade de Mário Quintana. Foi uma grande influência. Todos foram grandes influências, mas não consegui chegar perto de nenhum.
Esse foi o começo de minhas leituras. Nessa época eu comecei a fazer meus livrinhos em cópia reprográfica. Vendia por quantia modesta, só para arcar com as despesas. Eram poemas bem simples e juvenis, mas eu me sentia muito orgulhoso de tê-los confeccionado. Em 2001 dei a lume, por assim dizer, a Sugestões do Silêncio (guardo ainda a matriz desse plaquette, como se fosse uma relíquia. Mas não tenho coragem de reler), Poesias, em 2002 (talvez um pouquinho melhor do que o primeiro). Foi com Cantos do Ermo sem Fim (2003) e Liturgia do Caos (2004) que consegui uma razoável qualidade, mas ainda assim mantendo vários resquícios de um poeta em formação. O meu amigo Rodrigo conseguiu musicar alguns desses textos, fato que me orgulha o suficiente para não desprezar totalmente essa fase de minha escrita. Nessa época, lembro que muitos amigos me ajudavam na divulgação dos “fanzines”, como eu os chamava à época, além de me incentivarem a produzir meus textos. Marlise Machado (que recentemente me presenteou com a obra completa do Pessoa), Miguel Dias, Fábio Saraiva são esses amigos. Eles viram nascer a minha poesia. O Rodrigo Oliveira sempre era escalado para fazer um som nas vernissages de lançamento (na verdade, reuniões etílicas entre os amigos).
De 2005 até meados de 2006, ainda continuei escrevendo com o mesmo afinco com que começara. Nessa época lembro de ter escrito o primeiro esboço de “Porto” e “Vale” (dei a forma definitiva para eles, momentos antes de publicá-los no blog). Mas, depois, parei. Fiquei mais voltado à leitura. Lorca, Walt Whitman, e vários romancistas, dentre eles cito Raduan Nassar com o seu belíssimo Lavoura Arcaica (Ricardo me presenteou com a edição que tenho até hoje), livro que conseguiu me mostrar que a poesia não se identifica pela forma versificada. Muitas vezes ela usa o disfarce da prosa.
Em 2007 os ares de Rio Grande me despertaram novamente para a criação poética. Além de vários textos soltos (arquivados, esperando voltar para a oficina), que organizei sob o título provisório de Espelho Pueril, tive a idéia de escrever um texto poético de largo fôlego. Para isso revisitei a “Ode Urbana”, poema de cento e poucos versos, acrescentando vários fragmentos. Ainda hoje trabalho nesses fragmentos, esses Sketches, para conferir certa coesão. Trata-se de um texto que contempla várias vozes/ personagens, todos presos ao contexto urbano. Seus dilemas, suas dores. O sanfoneiro sem pernas, a mulher oprimida, o homem que sente a dor de ter que trabalhar num serviço que odeia, os meninos malabaristas no sinal de trânsito. Componho esse poema sem a mínima pressa. Interessante que, refletindo sobre esse projeto de poema longo, descobri que foi a influência de Mário Faustino o principal impulso para esta empreitada lírica. Eu estava começando a ler a obra do poeta piauiense, para dar início a um trabalho de pesquisa e interpretação acerca do livro O Homem e Sua Hora. Acredito que foram os fragmentos que Faustino deixou de sua Obra em Progresso, que me incentivaram a tentar compor um poema longo, baseado em takes, como ele se referia a sua técnica, baseada no cinema. Faustino não viveu o suficiente para dar ao publico a sua versão dessa obra, que estava em andamento. Meu poema não tem a pretensão (e nem a força) dos Fragmentos de Faustino. Escrevo numa linguagem fluida, por vezes coloquial. Os versos do autor de O Homem e Sua Hora estão mais para a poesia imantada de imagens e sentido da Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima. Eu jamais teria ímpeto para uma linguagem tão carregada de símbolos e referências.  Voltando a minha poesia em progresso, nesse blog postei alguns excetos preteridos, por não se encaixarem muito bem no aspecto formal do meu projeto: “Carta de Amor”, que fala sobre um suicida desiludido com o mundo desolado em que vive e “Salmo desesperado”, sobre um jovem assassino que fala com deus e renega o auxílio materno. Além do pretensioso poema longo, continuo anotando, reescrevendo, criando um pouco de versos para este blog. As minhas leituras atuais incluem Ferreira Gullar (influência decisiva para alguns textos), Leminski, T. S. Eliot, Rimbaud (uma de minhas obsessões) e Pound (deste, estou tentando escalar o monumental, Os Cantos).
Às vezes me pergunto: por que segui pelo caminho da poesia, meu Deus? Caminho tão árduo, tão desacreditado. Mas como disse Octavio Paz: “a poesia sobreviveu, ocultando-se nas catacumbas”. Não se trata de um artigo comercial. Mas acredito que, de certa forma isto não seja tão ruim assim.  Onde se introduz poder do dinheiro, as coisas perecem. Esses tempos fui fazer uma visita às livrarias de Pelotas. O que temos é auto-ajuda, ocultismo e best-sellers. Muitos best-sellers. Fico feliz que o capitalismo não tenha maculado a poesia. Quem quiser ganhar dinheiro com poemas, esqueça. Quem quer ganhar dinheiro escrevendo boa literatura, esqueça. São outros valores que estão em jogo na arte literária, na poesia. Reconhecimento daquelas poucos e valiosos leitores, contribuição para as letras, perenidade, são alguns desses valores. O caminho é árduo, mas eu não desisto...

                                               Leonardo Alves

4 comentários:

Vinícius disse...

Léo, gostei do teu texto, um pequeno resumo de tua vida de leituras e discussões acadêmicas sobre a litertura em verso. Poderias incluir nessas "memórias" uma história que me contaste, da vez que um "tio" leu os teus poemas e te escreveu uma crítica dura, que dizia algo como "literatura não é confessionário de sentimentos juvenis...", e tu acabou jogando fora essa crítica..., mas guardaste a mensagem, refletisse sobre a questão e entendesse a seriedade da poesia, fato que fez com que pudestes evoluir.
Ah, nossas discussões etílicas durante os dois anos em que dei aulas em Pelotas também devem ter contribuído! hehehhe
Abraço.

Unknown disse...

Pois é, Vinícius, bem lembrado. Vou relatar essa história.
Sabe, não sei se evouí o quanto deveria. Já se passaram uns bons anos, desde a crítica que tu citaste. Eu não sei te dizer... tem dias que dá vontade de excluir tudo, acabar com blog; em outros, eu até sinto que estou chegando perto... Bom, mas Walt Whitman começou a escrever coisas de valor aos 37. Acho que dentro da proposta que estabeleci,as coisas estão indo nos conformes.
Vinícius, muito obrigado por estar acompanhando meu blog. Qualquer dia desses vamos beber umas e conversar sobre os rumos da poesia contemporânea. Abração

Vanessa Regina disse...

Muito tocante a tua trajetória com a poesia. É bonito de ver alguém que se identifica tanto com este gênero. Salvou-se uma alma. E viva a poesia!

Unknown disse...

Obrigado por ler meu texto. Singelas palavras de um aprendiz. Não sei se fui eu ou foi a poesia que me escolheu.

Viva a poesia! Vamos viver a poesia. Intensamente!