quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eu faço versos como quem (quase) morre



Eu estou fazendo minha parte para tornar o mundo melhor. Todos os dias vou de bicicleta para o serviço, enfrentando um trajeto de uns cinco quilômetros. Evito o lançamento de gás carbônico na atmosfera, ajudando na diminuição do efeito estufa ou, pelo menos, não sendo mais um a piorar a situação do superaquecimento global. Além disso, acabo fazendo um exercício para manter a saúde em dia. Eu sou um cidadão consciente.

Mentira, eu só utilizo meu veículo de propulsão humana (ou animal, dependendo do ponto de vista) por questões econômicas. Se eu tivesse um carro, acredito que eu acabaria indo diariamente motorizado para o trampo. Conforto. Rapidez. Mas, para o bem da mãe natureza, esse pretenso escrevinhador não possui remuneração pecuniária para comprar um carro. Ah, se eu tivesse grana! Compraria um Scort XR3 conversível e desfilaria pelas ruas no possante com meu braço esquerdo aristocraticamente para fora do carro e o meu pulso ornado com um relógio-calculadora, daqueles que faziam muito sucesso nos anos 80. Aí Pelotas ficaria pequena para mim! Mas me desviei absurdamente do que ia falar.
Eu quase me acidentei hoje, quando voltava do trabalho. Quase acabei como a Macabéa, atingido por um Mercedez Benz. Minto novamente. Era um Ka. Mas não foi culpa do trânsito caótico. A culpa foi minha e acabei sendo severamente punido com um jacto de palavrões - o motorista ficou irritadíssimo por eu quase ter acabado morto debaixo do seu automóvel.
Acontece que eu estava escrevendo, enquanto andava de bicicleta. Não pense o leitor que eu consigo tal malabarismo de usar papel e caneta, concomitante ao ato de pedalar. Não. Na verdade eu estava escrevendo mentalmente. Descobri que a melhor forma de escrever não é ficar olhando para o papel em branco ou para a página vazia do editor de textos. É escrever mentalmente enquanto sigo meu caminho rotineiro, sentindo o vento e o sol no rosto. Na verdade o que faço quando chego em casa é trasladar tudo que elaborei. Depois do susto disse para mim mesmo: “tenho que parar com essa história de ficar escrevendo com o pensamento!” Até então eu não tinha dado por esse fato, de que muitos de meus poemas brotavam no prosaico trajeto que faço todos os dias em cima da  “magrela”. De que eu escrevo andando de bicicleta.
Certa vez eu li que Ernest Hemingway, antes de escrever, ficava apontando, em média, uns trinta lápis, para ativar o cérebro e as idéias. Sempre encarei isso como uma grande excentricidade do autor de O Sol Também se Levanta. Mas, refletindo melhor sobre o assunto, cheguei à conclusão de que cada escritor vai ter sua forma de ativar o motor da inspiração. Para alguns pode ser fazendo a barba; para outros, acendendo um cigarro atrás do outro. Só acho que ficaria complicado ter lampejos literários no momento do sexo:
- O que houve, amor?  Desanimou?   
- É que finalmente consegui pensar na chave-de-ouro para um soneto que eu estava escrevendo!
Mas nunca havia imaginado que o ato de escrever pudesse colocar a vida do indivíduo em risco. Hoje quase fui pro saco!  


                                  Leonardo Alves

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