sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mãe (Ou Salmo Desesperado)



Mãe, não sei como dizer...
Mais uma vez fiz tudo errado
O sangue inocente me sufoca
Os olhos parados,
Mortos me atormentam

Talvez eu quisesse o que não podias me ofertar
Embora à mesa estivesse sempre o pão 
Ele me sufocava
prendia-se no esôfago
Eu queria uma mesa de cores mágicas
Eu queria o pão metafísico que não se esfarelasse n’alma
E a água que não tivesse
O sal de toda a derrota

Mas não peço perdão, contudo
Fiz o que pude para aceitar
O ranger agoniado das cadeiras
A ferrugem que dava gosto ao café
O sanitário regurgitando monstros
Quando a casa dormia

O pão que tinha bolor
Tu bem sabias tirar com a faca
Mas havia fungo no meu coração
No meu coração doente
Fazes bem voltar para casa
Não há mais o que ser dito
O sangue inocente me sufoca
Os olhos parados,
Mortos me atormentam

Tua dor não tece a liberdade
Não adianta falaciosas imprecações
Gritos e lágrimas
Não adianta dizer “meu Deus”
Vocês são incomunicáveis
Tu és surda a qualquer murmúrio divino

No entanto, eu
O louco
O esconjurado
O assassino
Consigo falar com ele
Queres saber o que ele diz ?
Quer que tu vá embora

Volta para casa,
Corre a dizer pro pai
Que o filho é um monstro
Que blasfema

(Ah nossa bela casa o pai bêbado
tropeçando em garrafas vazias
procurando os óculos achando estranha a nossa ausência
Dando-se conta que a noite chegou)

Vai lá, fala pra ele...

Deixa-me aos cuidados de deus
Que me mostrará, eternamente
O sangue inocente
O sangue jovem
Os olhos parados,
Mortos
Que me atormentarão
Até o fim...

                                 Leonardo Alves

2 comentários:

Instrutor Tiago disse...

MARAVILHOSO!
FICO ATE SEM PALAVRAS PELA TUA RIQUEZA DE PALAVRAS, ME ROUBASTE A FALA...

Unknown disse...

Que isso Tiago, não é para tanto! Eu sinto que ainda tenho muito que melhorar. Mas obrigado pelo incentivo. Abração